Maverick


Na frente, a luz amarelada do farol não ilumina nada. Nenhum carro. Só o asfalto negro. Mais à frente, na distância, dois olhos vermelhos piscam na escuridão — provavelmente as lanternas traseiras de um caminhão. No retrovisor, o vazio. Nenhum carro. Só a noite sem lua me seguindo, silenciosa e densa como fumaça.

Minhas mãos estão grudadas no volante, segurando firme, quase cravando as unhas no couro frio. O coração bate forte, descompassado rápido — mas não tão rápido quanto o coração do carro, aquele motor com o rosnado ensurdecedor. Um V8. Um legítimo Maverick GT 78. Não consigo ouvir meus pensamentos — e, inferno, nem quero. Não quero pensar em nada. Quero esquecer. Esquecer tudo. Não acredito no que eu fiz. Não... eu não fiz nada. ELE é quem fez. Mas isso não importa. Eles vão me culpar. Sempre me culpam. Por tudo. Não importa. Eu só preciso me afastar o mais rápido possível de lá. E é isso que estou fazendo.

Com o acelerador colado no assoalho, o caminhão à frente parece cada vez mais próximo. Não me importo com buracos na estrada, nem com qualquer obstáculo no caminho. Se o carro aguentar, eu também aguento. E ele aguenta.

Não sei onde estou, e nem quero saber. Uma estrada secundária qualquer, perdida no interior de algum estado qualquer. Não importa para onde estou indo — só importa de onde estou fugindo, e o quão rápido posso fazer isso. E estou fazendo isso muito rápido.

O caminhão está quase ao alcance. Mais alguns segundos e eu o alcanço. O ponteiro da gasolina, porém, me dá más notícias — como tudo desde que entrei nesse carro. Maldito dia em que resolvi ganhar dinheiro fácil. Era simples: levar o carro até o dono, em outra cidade. Só isso. E foi simples… até ELE aparecer.

O caminhão agora está bem na minha frente. Decido não perder tempo buzinando pedindo passagem. Simplesmente passo voando ao lado dele. O caminhão parece parado. Nessas horas, se vê do que um motor V8 é capaz.

Preciso de um posto, e rápido, se quiser continuar. A estrada à frente é só minha. Nenhuma alma viva por quilômetros. O caminhão lá atrás é apenas um par de luzes minúsculas no retrovisor — não maiores que um vaga-lume pousado no espelho.

De repente, algo me faz pisar no freio. Os pneus gritam, e o carro se lança para frente. Se eu não estivesse segurando firme o volante, teria voado pelo para-brisa. Por um instante, penso se não seria melhor assim...

Depois de vários metros de borracha queimada, o carro para. Estou ao lado de uma placa de sinalização. Nunca pensei que ficaria tão feliz ao ver uma simples placa. Ela indica um posto de gasolina a poucos quilômetros à frente, justamente onde essa estrada se encontra com uma rodovia estadual. É arriscado, mas necessário. Preciso de combustível, se quiser continuar.

Engato a primeira marcha e disparo — tão rápido quanto parei.

Só diminuo a velocidade quando vejo o letreiro com as luzes queimadas, indicando o posto de combustível. Não quero chamar atenção — o que é impossível com um carro como esse.

A pintura metálica, mais negra que a noite, parece engolir e refletir toda luz que a atinge, como se o carro fosse o próprio céu noturno coberto de estrelas. As entradas de ar cromadas no capô lembram as narinas dilatadas de um touro liderando o estouro da manada. Os para-choques, também cromados, rígidos como pedra, parecem dizer: saiam da minha frente ou sofram as consequências. Os pneus largos agarram o asfalto como se fossem velcro, e as quatro saídas de escapamento respiram como pulmões de aço, liberando a fúria contida. Como eu disse, é difícil não notar esse carro. Mas eu tento, de todo jeito, ser discreto.

Quando entro no posto, reduzo a velocidade ao mínimo, mas isso só faz o ronco grave do motor chamar ainda mais atenção das poucas pessoas no local. Paro em uma bomba isolada e desligo o carro. Por um instante, o silêncio é tão profundo que chego a ouvir meu próprio coração batendo.

Não demora muito, um atendente aparece.

— Que carrão, hein, doutor! — É, bonito ele. Enche o tanque, por favor.

Tento cortar o papo o mais rápido possível, mas é mais fácil falar do que fazer.

— E quanto ele faz? Quantos quilômetros por litro? — Eu não sei. O carro não é meu. — É, o meu tio tinha um desse, era bunitão! — É... todo mundo parece ter um parente ou amigo que teve um desses.

Respondo meio grosseiro, para ver se ele cala a boca. Mas o rapaz não se intimida.

— E quantos cilindros tem esse aí? — Oito. — Oito?! Deve correr muito, hein? Chega a duzentos? — Provavelmente.

Começo a ficar nervoso. Olho em volta, procurando alguém me observando. Sempre parece que tem alguém olhando o carro. Como eu disse, é difícil não notar ele.

— E quanto vale um desse, doutor? — Não sei. — Dá um chute aí! Uns cem mil? — Sei lá... pode ser. — Só isso?

Respiro fundo. Melhor encerrar a conversa antes que ele descubra mais do que devia.

— Olha, não sei quanto vale um desses. Tem algum telefone público por aqui? — Ali, do lado da lanchonete, doutor!

Não perco tempo. Saio do carro e vou direto ao telefone. Não sei para quem ligar — na verdade, não tenho para quem ligar. Só quero ficar longe daquele carro. E daquele rapaz. Por um tempo.

Pego o telefone e, por instinto, disco o número do meu irmão. Ele já me tirou de encrenca antes. Várias vezes. Talvez possa me ajudar de novo… se acreditar em mim. Difícil. Nem eu acreditaria no que tenho para contar.

O telefone toca. E toca. Ele não está em casa.

Fico ali, com o fone frio na mão, sentindo uma pressão estranha, uma compulsão me puxando de volta — como se o carro me chamasse, exigindo que eu voltasse para ele. Mas, antes que eu ceda, eu ouço aquela voz.

— Você não acha que foi um pouco rude com o garoto?

O coração congela. O corpo inteiro arrepia. A boca seca. ELE voltou.

— O que você quer comigo? Eu já falei para me deixar em paz! — Você não gostou das perguntas dele? Tudo bem… podemos mostrar para ele o que acontece com quem se mete onde não é chamado. — Não! A gente não vai fazer nada com ele. A gente não! Você! Você é quem fez aquilo! E não vai fazer nada com esse garoto! — Pelo que eu me lembro, era você quem estava dirigindo… — NÃO! AQUELE NÃO ERA EU! AQUILO NÃO ERA EU! — Se eu fosse você, falava mais baixo. Está chamando atenção…

Olho em volta. Algumas pessoas me encaram, assustadas. Finjo estar no telefone, tentando disfarçar. Afinal, para eles, tudo o que veem é um homem gritando sozinho.

Olho para trás. ELE não está mais lá. Sumiu. De novo. Melhor assim.

Tenho que voltar para o carro. Ir embora. Tiro algumas notas da carteira e caminho até o frentista, que me espera com um sorriso no rosto. — Tanque cheio, doutor! Antes que ele diga mais alguma coisa, coloco o dinheiro na mão dele e corto a conversa: — Fica com o troco.

Giro a chave. E a besta desperta. O motor ruge — não apenas alto, mas faminto. Fome por mais asfalto, mais velocidade.

Saio do posto e passo pelo pequeno túnel sob a rodovia estadual. Do outro lado, reencontro a estrada escura, sem placas, sem iluminação, sem nome. E vejo que fiz isso na hora certa.

Já longe o suficiente, olho pelo retrovisor. Luzes piscando. Vermelho e azul. Polícia.

Não sei se vêm por mim — e não pretendo descobrir. Acelero. Quero distância. Quero sumir.

A escuridão me envolve outra vez. No painel, o ponteiro da gasolina aponta para o “cheio”. Um sorriso de alívio escapa, involuntário. É o bastante para me levar longe.

Nem olho o velocímetro. Não preciso. A única coisa que importa é sentir o carro na última marcha, e o acelerador esmagado contra o chão.

Ligo o rádio, tentando relaxar um pouco. Nada. Só estática.

Uma música agora cairia bem. Talvez me ajudasse a esquecer de tudo. Mas como o rádio não pega nada, me arrisco a cantar. Quem sabe me animo.

Começo a murmurar a primeira coisa que me vem à cabeça, sem pensar no sentido das palavras.

Riders on the storm Riders on the storm Into this house we're born, into this world we're thrown Like a dog without a bone, an actor out alone Riders on the storm

Então eu escuto a voz DELE cantando junto. Olho pelo retrovisor — está no banco de trás, esparramado, os braços abertos sobre o encosto, o mesmo sorriso frio de sempre.

— Eu já falei para me deixar em paz! — Interessante a música que você escolheu. — É só uma música. — É, somente uma música... E como ela continua mesmo?

Percebo do que ele está falando.

— Não interessa. É só uma música. Foi a primeira que me veio à cabeça. — Se você não lembra, deixe que eu continuo cantando...

There's a killer on the road His brain is squirmin' like a toad Take a long holiday, let your children play If ya give this man a ride, sweet family will die Killer on the road, yeah

Então ele diz, com um sorriso pálido estampado no rosto:

— Eu sei que você entende o significado disso. E sei que fez aquilo. Sei que queria fazer aquilo.

— Eu não queria fazer aquilo!

— Então por que fez?

— Eu não sei! — grito, batendo a mão no volante. — Eu não sei! Me deixa em paz!

Ele passa para o banco da frente quase sem esforço, deslizando como uma sombra, até ficar ao meu lado. Me encara com aqueles olhos vidrados, sem vida, e o mesmo sorriso macabro de sempre — frio, inumano.

— Eu sei por que você fez aquilo. Aquela vadia mereceu o que teve. Aposto que, se estivesse viva, pensaria duas vezes antes de provocar outro homem daquele jeito.

— Ela só sorriu para mim! — grito. — Era uma mãe de família, meu Deus! Estava com os filhos no carro! Eram duas crianças! Duas crianças!

— E não se esqueça do papai esquentadinho…

Sinto a garganta fechar. Os músculos do rosto se contraem. A visão fica turva. As lágrimas escorrem quentes, borrando minha visão.

— Ah, o que é isso? — ele ri. — Assuma como um homem o que você fez!

— Vá embora. Me deixa em paz…

— Você sabe que eu não posso. Eu venho com o carro. Um brinde, se preferir.

Piso no freio com força. O carro quase perde o controle, mas ELE nem se move. Fica ali, imóvel, enquanto o mundo treme ao nosso redor. Quando o carro para, estou ofegante.

— Então eu vou embora! — grito.

— Ah, vai começar com isso de novo? — ele ri. — Eu sei que você não vai embora. Você sabe que não vai embora.

— EU VOU A HORA QUE EU QUISER!

— Então por que ainda está aqui discutindo? Vai! Abre a porta! Sai correndo! Corra como um animalzinho assustado para a mata!

Abro a porta e saio. Deixo o carro onde está, motor ainda ligado. Começo a me afastar.

Olho para trás. ELE está do lado de fora agora, encostado na lateral, uma mão no bolso, o braço apoiado na porta — parece um cowboy de propaganda de cigarro, com aquele maldito sorriso no rosto.

Ignoro e sigo para o matagal que parece esconder a estrada. Ando. Mais um pouco. Diminuo o passo. As pernas parecem ficar mais pesadas a cada metro.

Paro.

De onde estou, ouço o motor. O som grave, hipnótico, pulsando como um coração. Uma explosão depois da outra, ecoando na minha cabeça. Aquela melodia monótona — uma sinfonia de um só instrumento.

Minhas mãos começam a tremer. Viro-me e começo a caminhar de volta.

A porta ainda está aberta. Mas ELE não está mais lá.

Entro. Sento no banco. Seguro o volante.

Então ouço aquela maldita voz de novo:

— É... não é tão fácil quanto você pensava que seria, não é?

Bato a porta e ponho o carro em movimento. No retrovisor, lá está ele — no banco de trás, rindo de mim, como da última vez.

Não sei o que me faz voltar para esse carro. Mas sei que é mais forte do que eu. É a mesma força que me faz perder o controle às vezes... que me faz fazer o que não quero. E sei que ELE tem tudo a ver com isso. Pensar nisso me desespera.

— Por que você não me deixa ir embora? — pergunto, quase implorando.

— Eu já te falei... — ele diz, inclinando a cabeça para trás, apoiando-a no encosto do banco. — Não sou eu quem decide.

A voz sai calma, preguiçosa, cruel.

— Eu já te disse... — repete, num tom zombeteiro. — Não sou eu quem decide.

Lá fora, a noite continua mais escura do que nunca. Tão escura quanto na primeira vez em que encontrei ELE, há alguns dias.

Agora entendo: não importava onde eu tivesse parado para abastecer — ELE teria aparecido do mesmo jeito. Não importava se eu tivesse recusado a carona — ELE teria vindo.

Na verdade, percebo agora... ELE já estava comigo desde o começo.

Viajamos por mais alguns quilômetros. ELE está quieto no banco de trás, olhando o mundo pela janela — um mundo que eu já não reconheço, cheio de incertezas, distante, quase irreal. Pelo menos ELE está calado.

Depois de um tempo dirigindo em completo isolamento, vejo à distância o que parece ser um ônibus de passageiros, seguindo por uma estrada paralela, mal iluminada. Deve ser alguma linha municipal perdida no meio do nada.

ELE inclina o corpo e coloca a cabeça entre os dois bancos da frente.

— A gente deve estar perto de alguma cidade. Liga o rádio, vê se pega alguma coisa.

Por que não? Talvez dessa vez eu consiga ouvir música. A ideia me agrada.

Ligo o rádio — o som de estática inunda o carro. Giro o seletor, estação por estação. Nada.

— Tenta colocar na AM — diz ele, num tom quase entediado. — Aqui nenhuma FM deve pegar.

Faz sentido. Assim que mudo para AM, os alto-falantes começam a emitir um chiado intercalado por fragmentos de voz. Há vida ali.

Procuro outra frequência. Um pastor gritando sobre o apocalipse. Um locutor sussurrando palavras vazias de consolo. Algo que tenta se passar por música.

Giro o botão mais algumas vezes… e então ouço algo que me congela.

“...testemunhas afirmaram que foi algo desumano. Após vários quilômetros de perseguição em alta velocidade, o suspeito começou a fechar o carro das vítimas, até que o veículo capotou. Mesmo depois disso, o suspeito parou, voltou e observou enquanto uma das vítimas — a mãe da família — tentava sair pela janela. Quando ela estava quase fora, o motorista acelerou e passou por cima dela, matando-a na hora. Os outros ocupantes, o pai e dois filhos, morreram no acidente. A polícia ainda não tem descrição do suspeito. Testemunhas disseram apenas que se tratava de um carro antigo e preto...”

Minha mão desce violentamente sobre o rádio, desligando-o. Silêncio. Não era isso que eu queria ouvir. Não era isso que ia me acalmar.

— Tá ficando famoso, hein? — ELE diz, rindo. — Olha só a distância que a gente percorreu desde hoje à tarde, e já estão falando de você por aqui! Meus parabéns!

— CALA A BOCA! — grito.

Meu corpo inteiro treme. Sinto gelo no estômago. A cabeça lateja. A boca seca.

— CALA A BOCA!

— Vai ficar nervoso comigo? — ele ri, histérico. — VOCÊ fez isso tudo, meu irmão! VOCÊ, não eu!

Olho para ELE, sentindo o sangue pulsar nas têmporas, o suor escorrendo pela testa. Aponto o dedo na cara dele, gritando com toda a força dos pulmões:

— CALA! ESSA! MALDITA! BOCA! FICA QUIETO! VOCÊ É A CAUSA DE TUDO ISSO! VOCÊ!!! ENTÃO CALA A BOCA E FICA QUIETO AGORA!

Ele apenas continua rindo. Aquela risada oca, interminável.

Não há nada que eu possa fazer para silenciá-lo.

Então sigo dirigindo. Só o som do motor... e o riso insano enchendo o carro.

Sinto o gosto salgado das lágrimas escorrendo pelo rosto — lágrimas de pura raiva.

Algumas horas depois chego a uma pequena cidade. O cansaço pesa nos ombros e nos olhos. Apesar do risco, procuro uma pousada para passar o resto da noite. Preciso dormir.

Um homem embriagado na rua me aponta o caminho: há uma pensão não muito longe. Deixo o carro numa rua escura ao lado e entro, esperando ainda encontrar uma cama. Atrás do balcão, uma mulher me examina enquanto me aproximo. Peço um quarto; ela pede os documentos. Coloco algumas notas sobre o balcão. Ela diz que precisa ver os papéis. Ponho mais dinheiro; ela pega as notas, desconfiada, e avisa que não quer confusão. Digo que também não quero.

— Andar de cima, final do corredor — entrega-me uma chave velha.

Perfeito.

No quarto, abro a janela. Vejo o carro do lado de fora, a uns trinta metros — e ELE ali, junto à besta negra, acenando, sorrindo, deleitando-se com a cena. Se não estivesse morto, provavelmente eu o mataria.

Deito-me sem tirar a roupa e fecho os olhos. Dormir é tarefa hercúlea: o carro não sai da minha cabeça. Rolo na cama até que, por fim, um sono agitado me toma — nada do sono dos justos.

Sonho que dirijo. Sonho que percorro uma estrada sem fim, uma paisagem de desolação — árida, sem vida. A pouca vegetação que resta está queimada. O céu tem um tom alaranjado, doente. Restos de carros espalhados por todos os lados: sucatas enferrujadas, carcaças, memórias partidas.

Desço do carro. No acostamento, entre metal retorcido, vejo ossos. Ossos que um dia tiveram carne, rostos, nomes. Ossos que um dia foram gente. Não reconheço o lugar, e tenho a certeza primitiva de que não deveria estar ali. É errado estar ali. O carro atrás de mim morre — o demônio negro finalmente se cala.

Então os gemidos começam: súplicas de piedade, rosnados de ódio. Viro-me para o som e descubro que a paisagem está tomada por pessoas — onde antes não havia nada, agora há um mar de corpos. À frente de todos eles, reconheço a família que destruí.

Não são mais pessoas. São cadáveres em decomposição: roupas rasgadas, carne dilacerada, membros faltando. A mãe que atropelei se posta na frente e começa a andar na minha direção. O gesto dela é um sinal; os outros a seguem como se puxados por um mesmo fio, um mesmo sentimento.

Fico imóvel, paralisado, vendo aquela parede de abominação vir até mim. O medo e o desespero se misturam; a boca seca, o coração bate com fúria. É hora de fugir. Entro no carro e giro a chave. Nada. O motor não pega.

Giro de novo. O motor gira como quem gargalha ao meu comando, zombando. Olho no retrovisor: a multidão corre na minha direção. Em pânico, tranco as portas, fecho os vidros e piso no acelerador, bombeando o pedal como se isso pudesse forçar o motor a acordar. Giro a chave freneticamente; o carro apenas ri.

As mãos pútridas se aglomeram no metal, batem nos vidros, arranham. O carro é sacudido; corpos o cercam e o chacoalham. Vejo o rosto da mulher colado ao vidro — olhos que pedem justiça, ferozes e vazios.

E então eu a vejo: ELE, parado em frente ao carro, com aquele sorriso macabro, complacente. Alguém pula no capô com um pedaço de metal — é o pai. O rosto dele é pura raiva. Ele bate no vidro uma, duas vezes; o primeiro golpe faz o vidro trincar. O segundo golpe abre fissuras maiores, lascas caem. A terceira pancada ressoa dentro de mim como um alarme, e é essa batida — alta, violenta — que me arranca do sonho.

Abro os olhos, assustado. Estou encharcado de suor. O quarto está quente e abafado; a luz do dia entra pelas frestas da janela. Já clareou, e eu ainda estou exausto. Ouço a batida de novo — o som veio comigo do pesadelo.

Pulo da cama, procurando a origem. Alguém bate à porta. Me movimento o mais silenciosamente possível, tentando ouvir o que dizem lá fora.

— Você tem certeza de que ele está nesse quarto? — Sim. Eu mandei ele para o último quarto do andar de cima — é esse. — Arnaldo, chama o sargento e avisa que vamos ter que arrombar.

Merda. A polícia. A MALDITA POLÍCIA! A DESGRAÇADA chamou a polícia! Deveria pegar o pescoço dela e esmagar. Deveria arrebentar a cabeça dela contra a parede. Arrancar os olhos e fazê-la engolir. Desgraçada.

Calma. Respira. Preciso me controlar. Pensar. Fugir. A polícia está do lado de fora do meu quarto. A porta é a única saída. Caralho!

— Aqui é a polícia! Abra a porta agora e se entregue!

A janela! Sem pensar, arrombo a janela e pulo. Caio torto; a perna fraqueja e o peso do corpo cai sobre o braço. Dói como fogo, mas pelo menos não estou mais naquela ratoeira.

Um policial, perto do carro, nota o movimento e vem em minha direção. No chão, agarro um pedaço de cano velho. Quando ele se aproxima, eu salto — acerto a cabeça dele com o cano. Ele cai como um boneco de pano. Sangue escorre.

O barulho da porta sendo arrombada corta o ar. Sem tempo, manco até o carro. Ouço um grito:

— Ele está fugindo! Ele acertou o Ciqueira! Alguém vai atrás dele!

Um policial pula a janela; outros dois correm pela lateral. Minutos de lucidez: pego a chave no bolso com a mão trêmula. O braço dói; cada movimento é uma facada. Consigo abrir a porta, entro e tranco atrás de mim.

Por um segundo penso no pesadelo — o carro que não pega — mas giro a chave. A besta responde de imediato: um rosnado ensurdecedor toma meus ouvidos. É reconfortante e aterrador ao mesmo tempo.

Engato a primeira. O policial que pulou a janela alcança a maçaneta e tenta abrir a porta. PISO no acelerador. A potência morde o chão; o carro dispara enquanto o policial tenta bater na janela. Os outros dois sacam as pistolas e disparam através da poeira; as balas cortam o ar, mas eu já não estou ali — estou longe demais para que me acertem.

— Eles te acharam. Ideia de merda parar para dormir. Agora eles estão na sua cola.

Aquela voz. ELE está no banco ao meu lado. ELE está certo: foi arriscado demais parar, e agora vou pagar o preço. Manobrando pela cidade em alta velocidade, ignoro a dor no braço.

Não demora e as sirenes começam a soar ao fundo. Olho no retrovisor e quase começo a rir. Aqueles carrinhos de brinquedo da polícia nunca vão me pegar. Entro na estrada — o asfalto me convida para mais uma dança. Piso fundo e o som da perseguição vai ficando para trás.

— Maldita cadela! Ela chamou a polícia! — eu berro. — Pode não ter sido ela. — Como assim? Quem mais sabia que eu estava lá? — Metade da cidade. Todo mundo ouviu você chegando à noite. Não devia ter passado lá. — E por que você não me avisou? — Calma. Você escolhe para onde vai. Eu só acompanho. — Merda! MERDA, MERDA, MERDA! Eu ainda acho que foi aquela maldita cadela! — Dane-se quem foi a culpa. Já é tarde. Agora a única saída é para a frente. — Eu estava cansado, precisava dormir numa cama. — Você está com uma cara de quem não descansou nada. — Eu disse que precisava descansar, não que consegui.

Um som corta a conversa — agora é pior: um helicóptero. Maldição.

Mandaram um helicóptero atrás de mim. Merda. Acelero ainda mais, saio para uma estrada maior, provavelmente uma estadual. Alguns carros aparecem à minha frente, mas não me atrapalham. Piso fundo e a maioria sai da frente ao me ver chegando.

À frente, na pista oposta e bem longe do retorno, vejo que colocaram o que tinham de melhor: carros grandes e rápidos. Claro, não tão rápidos quanto o meu. Sim, agora este é o MEU carro. Eu sou dele — e ele é meu. A pouca sanidade que me restava ficou naquela pensão quando pulei a janela; agora não penso nisso. Tenho coisa mais urgente: se a polícia chegar ao retorno antes de mim, eles vão montar uma barricada.

Pressiono o pé até o assoalho — não há mais espaço no acelerador. O carro ruge enquanto vou raspando em outros veículos que teimam em não sair da pista. É uma corrida contra o tempo para alcançar o retorno; a polícia parece pensar o mesmo. A rotação do motor sobe até o limite e, ainda assim, o ponteiro da velocidade teima em subir mais.

Chego ao retorno. Ali não há mais blocos de concreto separando as pistas. Em um movimento desesperado, uma das viaturas que veio junto — quase tão veloz quanto eu — entra na contramão tentando me acertar lateralmente. Erra por poucos centímetros.

Pelo retrovisor vejo a colisão frontal com uma caminhonete: metal se amassa, vidros explodem, o horror. E, para minha surpresa — ou talvez por desespero — eu explodo em gargalhada.

— HA HA HA HA HA HA HA HA! — grito. — Vocês acham que podem me pegar? Podem tentar! HA HA HA HA HA!

Improvável que alguém tenha sobrevivido àquele acidente. As outras viaturas parecem mais cautelosas agora; atravessam a pista com cuidado e retomam a perseguição numa velocidade desesperada, dando continuidade ao caos. No céu, o helicóptero me vigia, provavelmente informando minha posição.

À minha frente, um caminhoneiro parece ter entendido o que está acontecendo. Ele tenta ajudar a polícia: coloca o caminhão no meu caminho. Freio bruscamente para não bater. Tento desviar pelas laterais, mas ele me fecha. Perco tempo precioso. Pelo retrovisor, vejo as viaturas se aproximando.

Uso o acostamento para tentar a ultrapassagem, mas ele me fecha de novo.

— Cara, passa logo esse caminhão, eles estão chegando perto! — Eu sei! EU SEI!!! ESSE CRETINO NÃO SAI DA MINHA FRENTE!!!

O ronco dos motores atrás de mim cresce — a caçada ganha força. Faço uma manobra brusca, jogando o carro para o lado, antecipando o desgraçado que tenta me fechar de novo. Quando ele começa a mexer o volante, corto para o outro lado e piso fundo. O motor rosna, faminto por mais gasolina, enquanto finalmente deixo o caminhão para trás.

O motorista ainda tenta me bloquear, mas é tarde. Já estou à frente quando vejo o caminhão roçar na mureta da rodovia, faíscas cuspindo da carroceria. Acelero com o dedo do meio para fora da janela — um gesto triunfante, quase um riso.

Mas ele forçou demais. O golpe foi tão brusco que não consegue puxar de volta. O monstro de ferro se lança começa a comer o concreto e perde o controle. Num reflexo desesperado, o caminhoneiro tenta voltar para a pista — não vê a viatura que vinha logo atrás de mim.

O impacto é seco, brutal. O caminhão e o carro da polícia saem da pista, giram, e se jogam na vala de drenagem. O som do metal se contorcendo ecoa como um grito.

Mais dois policiais que não vão jantar em casa esta noite.

Sigo em frente. Atrás de mim, as viaturas ainda me caçam, indiferentes ao monte de metal fumegante que há poucos segundos era um dos carros deles. O sol está esquentando, começa a queimar o asfalto, o calor faz o ar tremer sobre a estrada.

Levanto os olhos. Três helicópteros riscam o céu — o barulho das hélices mistura-se ao rugido do motor. Não são da polícia.

A mídia chegou. Urubus à luz do dia, rodando sobre a carniça, famintos por imagem, por manchete, por sangue fresco. Vieram transformar tudo isso em espetáculo, mastigar a tragédia e cuspir no jornal das oito.

Se é um show que querem... são um show que vão ter.

A maioria dos carros sai da minha frente; só tenho que desviar de poucos. Logo me enrosco atrás de um cidadão que quer se achar herói — um idiota com um carro minúsculo perto do meu. Ele tenta o mesmo truque do caminhão. Eu já sei o que fazer.

Acelero. Alinho a dianteira do meu carro na lateral da traseira dele, frio, sem pressa. Em um impulso, meto o Maverick de lado e o empurro com violência. As rodas traseiras dele perdem a aderência; o pequeno carro derrapa, roda, vira até ficar em ângulo com a estrada.

O canto agudo dos pneus dá lugar ao estrondo do metal contra o asfalto. O veículo começa a capotar em alta velocidade, espalhando fagulhas como vagalumes pelo ar. Pelo retrovisor vejo a polícia apenas desviar — não se importam — e seguir atrás de mim.

Alguns quilômetros à frente, um policial a pé sinaliza para os outros carros entrarem no retorno, liberando a pista à minha frente. Eu avanço, ponho a cabeça para fora e passo berrando para ele como um lunático. Sinto a loucura borbulhar dentro de mim — e, pela primeira vez, gosto do gosto disso.

— É, cara — você saiu melhor que a encomenda. Agora sim, tô gostando de ver. — HAHAHA! Quero ver eles me pegarem!

A estrada está livre — ninguém à frente. Atrás, apenas os malditos carros de polícia. Pelo retrovisor, vejo as duas viaturas que lideram a perseguição. Os policiais estão com as armas para fora da janela. Parece que chegou a hora de me atacar.

Sem civis por perto, eles abrem fogo. As balas zunem, ricocheteando no asfalto. Algumas acertam a lataria do carro, mas sem causar maiores danos.

Num impulso, piso no freio — seco, ousado. O Maverick agarra o pavimento e reduz bruscamente. Seguro o volante com força, esperando a batida.

As viaturas tentam desviar. Uma delas acerta a mureta de concreto e raspa na lateral do meu carro. O policial que atirava pela janela não foi tão rápido — o braço e parte do rosto viram carne moída entre os dois monstros de metal. Uma mancha vermelha escorre pela pintura negra.

A outra viatura escapa ilesa, ficando lado a lado comigo. Olho para o motorista e começo a rir — uma risada seca, descontrolada, que me rasga por dentro. Ele congela, sem reação, enquanto eu volto a acelerar, retomando a distância.

No retrovisor, o que restou do policial fica pendurado pela janela. O carro para no meio da pista, imóvel. Melhor assim — menos um na caçada.

Olho pelo retrovisor: eles não tentam mais nada. Apenas me acompanham. Mais à frente entendo por quê — uma barricada. Viaturas atravessadas bloqueiam a estrada; policiais encostados atrás delas, rifles e pistolas apontados.

Tiro o pé do acelerador e penso. O sangue ferve, mas procuro uma saída.

— Vai desistir agora, cara? — Não. Só estou pensando. — Não tem o que pensar. Só tem uma coisa a ser feita. — Certo. Você tem razão.

Eu olho para os helicópteros, sinto o assobio das hélices. Meto a cabeça para fora da janela e grito com tudo o que tenho:

— É ISSO O QUE VOCÊS QUEREM? SEUS PORCOS! É ISSO O QUE VOCÊS TERÃO!

O som atravessa o calor da estrada e volta para mim como um desafio.

Piso fundo. O motor uiva e a velocidade me prensa contra o banco. As viaturas atrás de mim hesitam; a perseguição quebra por um instante. Quando me aproximo da barricada, um grito primal se forma na garganta — gutural, animal. Não vou frear. Seguir é a minha única opção.

Os policiais disparam com tudo o que têm: escopetas, rifles, pistolas. O estalo das balas no metal vira uma partitura de destruição; sinto os furos aparecendo na lataria e também na minha carne. Mas a dor apenas alimenta o impulso — não me faz frear, só me faz berrar mais alto.

Quando me aproximo, eles se atiram para as laterais da estrada; eu vou direto para a fileira de carros. Acerto com precisão entre duas viaturas e rasgo a barricada. A carroceria negra raspa nas viaturas como se fosse minha própria pele. Faíscas, metal arranhando metal — e eu livre, acelerando ainda mais.

Os policiais se refazem do choque e correm para as viaturas que ainda conseguem andar. Em segundos, a perseguição recomeça.

— Cara... não sei se você percebeu, mas está sangrando.

— É, eu percebi.

— Não, sério — você está sangrando muito! Uma pausa. ELE ri.

— Não que eu me importe, claro... mas depois dessa, você ganhou o meu respeito.

Eu olho para ELE e tento sorrir, mas uma tosse me rasga o peito e um jato de sangue escapa pela boca. Baixo os olhos e vejo os buracos. Três, talvez quatro tiros — um no braço, que já estava machucado, e o resto no peito. A dor pulsa, latejante. Mas eu não ligo.

O que me incomoda de verdade é o que fizeram com o carro. Um clássico como esse... como puderam? Malditos.

O para-brisa está estilhaçado, o vidro traseiro e o da porta do passageiro, quebrados. O capô cravejado de buracos, as portas e o porta-malas deformados, a frente destruída, as laterais amassadas. O Maverick perdeu o brilho, o esplendor, a alma metálica. E ainda assim — corre. Corre como nunca.

É como se um demônio de oito cabeças rugisse sob o capô, empurrando o carro para frente, faminto, indomável.

Indomável.

Olho para trás — eles estão longe. Até os helicópteros parecem ficar para trás.

Arranco o que sobrou do para-brisa com a mão. O vento bate no meu rosto, frio e sujo de sangue. Revigorante. Vivo de novo.

Uma curva fechada se aproxima. Entro mal. O carro derrapa, a traseira dança no asfalto, quase capota. Mas eu o seguro. O carro volta para a linha — como se tivesse vontade própria.

Por causa disso, a polícia se aproxima. Rápido demais. Antes que eu recupere a velocidade, ouço seus motores próximos a mim.

Um policial grita algo num megafone. “Renda-se!” — como se essa palavra ainda existisse para mim.

Eles não gostam da resposta silenciosa. Um mira. Alguns tiros. Um acerta o pneu traseiro. O carro balança, mas eu mantenho firme. O som do pneu vazio sendo devorado pelo asfalto é quase musical. Depois o outro pneu. Mesmo destino.

Agora são duas rodas de ferro riscando o chão, cuspindo faíscas como fogo de artifício infernal. E o Maverick acelera ainda mais. As faíscas viram uma trilha luminosa atrás de nós. Não sei como ainda estou no controle. Não sei por que ainda respiro.

Mas não diminuo.

O calor do motor é sufocante — e eu estou com frio. Olho para baixo. O assoalho está coberto de sangue. Mais do que dentro de mim.

Não importa.

Tudo o que resta é acelerar.

Nenhum carro à frente. A estrada é minha. Só minha.

Olho para as mãos — estão pálidas, os dedos dormentes, o sangue fugindo.

Então o carro engasga. Uma vez. Outra.

A visão escurece nas bordas.

Olho o painel com o pouco foco que me resta. O ponteiro do combustível... caído.

— Maldição! A gasolina! Merda!

Tusso sangue. O vento o espalha pelo meu rosto, quente e pegajoso. Me sinto cada vez mais fraco, mas ainda seguro o volante com força. Ainda piso fundo. Ainda espremo o último vapor de combustível do tanque. É tudo o que preciso. É tudo o que quero.

A estrada vibra, o mundo começa a se apagar nas bordas. Pontinhos brilhantes dançam diante dos meus olhos — estrelas particulares — e por um instante tudo parece... maravilhoso.

— Você sabe que chegou a hora. — Cof... eu se... cof... eu sei. — É aqui que eu saio. E é aqui que você toma o meu lugar. Agora ele quer você.

Olho para ELE e apenas balanço a cabeça. — Agora você está pronto.

ELE se ergue e sai pela janela, quase como se o carro estivesse parado.

Eu olho pelo retrovisor. ELE está na estrada, imóvel, me observando — uma silhueta distante que se desfaz com o calor do asfalto.

Agora sou só eu. Eu e o carro.

E é aí que entendo: ele nunca foi meu. Fui eu, o tempo todo, que pertencia a ele.

E isso, estranhamente, me agrada.

O colosso negro, outrora exuberante, dá sua última engasgada. O motor morre em um suspiro áspero, e o silêncio que segue parece consumir o mundo. A gasolina se foi — assim como o meu sangue.

Por um instante, minha visão clareia. Tenho a impressão de ver uma curva adiante... e então tudo escurece. Faço força para manter os olhos abertos, mas não consigo enxergar nada à frente do carro.

Então deixo a cabeça cair sobre o volante. O toque frio e suave do couro contra meu rosto é a última coisa que eu sinto.

“Após uma longa perseguição que terminou em tragédia, foi confirmado que o suspeito era o autor do assassinato da família Tofler. A identidade dele ainda não foi oficialmente divulgada.

O homem atravessou quatro estados antes de ser localizado em Santa Esperança, onde a perseguição começou. Sete viaturas e um helicóptero da polícia participaram da caçada, que se estendeu por mais de 40 quilômetros.

Depois de romper um bloqueio com o próprio veículo — um Ford Maverick — o fugitivo conseguiu escapar por alguns quilômetros, até que agentes atingiram os dois pneus traseiros do carro.

O motorista perdeu o controle em uma curva em alta velocidade, capotando e destruindo completamente o automóvel.

Além do suspeito, sete policiais morreram durante a perseguição.

Mais detalhes, depois do comercial.”

No fundo de um ferro-velho, um Maverick negro repousa entre carcaças enferrujadas, sob o sol e a chuva, como um animal adormecido.

— E quanto tá saindo aquele ali? — O Maverick preto? Te faço ele por cinquenta mil. — Cinquenta mil? Mas o carro tá acabado! — É o preço. — ... Tá certo. Eu vou levar. — Rapaz, vou te dizer uma coisa estranha: todo dia esse carro parece diferente. Como se fosse... se consertando sozinho.

O comparador ri, achando que o dono do ferro-velho já deve ter exagerado na bebida do almoço. Mas ele não se importa. Apesar da ferrugem e da pintura gasta, algo dentro dele sabe que o carro ainda anda. É quase como se o chamasse.

Eu sei como é isso — já ouvi esse chamado uma vez. Vai dar trabalho para restaurar essa máquina, mas tenho certeza de que ele não vai descansar enquanto o carro não estiver perfeito outra vez.

E quando ele sair para dar a primeira volta... eu estarei lá.